Por fim se esqueceram sem dor

“Começaram a se ver com menos frequência à medida que ela alargava seus domínios, e à medida que ele explorava os seus tratados de encontrar alívio para seus velhos padecimentos em outros corações desarvorados, e por fim se esqueceram sem dor.”
Gabriel García Márquez, O Amor nos Tempos do Cólera.

Techos do livro “A Paixão Segundo G.H.”

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Encontra-se o livro em pdf:
http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-104658-BAIXE+3+OBRAS+CLARICE+LISPECTOR+DISPONIVEIS+ONLINE.html

Particularmente vejo em “A Paixão Segundo G.H.” a obra prima de Lispector, um livro feroz que desde a primeira página parece te bombardear com trechos macicos que fornecem aos leitores mais atentos uma ampla capacidade de auto-reflexão. Clarice não dá alento, ela te coloca em carne viva e depois remexe com uma exatidão tão precisa que acaba sendo preciso reler o livro algumas vezes para suprir o desejo de ter realmente interiorizado todos os conceitos que nos incide.
Foi o primeiro livro que li da autora, o que me despertou uma intensa admiração pela sua forma de escrita e que em comparação com os demais livros, faz parecer que o livro inteiro é uma grande entrega. “A Paixão Segundo G.H.” pra mim foi um daqueles livros que caem em suas mãos no momento certo, te dissecam e parecem ser exatamente o remédio que a alma tanto precisava. O discurso de Clarice nesse livro em especial é tão subjetivo que se for ler apenas como um observador estará fadado a incompreensão, tem que estar disposto a se observar.

Por terem tantas passagens intensas, esse post vai ser um pouco maior que o habitual. Mas peço que tenham a paciência necessária e o carinho de costume para apreciar o que há de melhor na literatura brasileira.

Trechos:

“Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser – se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.” p. 11

“Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então não me impossibilitava de antar mas que fazia de mim um tripá estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: duas pernas. Sei que somente com as duas pernas é que posso caminhar. Mas ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável em mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.” p.11-12

“É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo.” p.12

“O que eu era antes não me era bom. Mas era exatamente desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. (…) Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.” p.13

“Não. Toda compreensão súbita é finalmente a revelação de uma aguda incompreensão. Todo momento de achar pe um perder-se a si próprio.” p.16

“Estou tão assustada que só poderei aceitar que me perdi se imaginar que alguém me está dando a mão.” p.17

“Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia.” p.19

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Favoritos de Todos os Tempos

“O mais pesado dos fardos nos esmaga, nos faz dobrar sob ele, nos esmaga contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o peso do corpo masculino. O fardo mais pesado é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da mais intensa realização vital. Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes.”
– A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera

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Trechos de “O conto da ilha desconhecida”

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Tal conto pode ser encontrado no endereço eletrônico:
http://www.releituras.com/jsaramago_conto.asp

“O conto da ilha desconhecida” de José Saramago possui um texto breve mas de conteúdo grandioso, que permite ao leitor adentrar um mundo mágico e cheio de associações com sua própria experiência de vida. Particularmente tenho um apreço especial por esse livro, pois ele possui algumas de minhas frases favoritas e as mãos de mestre do Saramago conseguem alcançar a dose certa de subjetividade.

Trechos:

“O homem nem sonha que, não tendo ainda sequer começado a recrutar os tripulantes, já leva atrás de si a futura encarregada das baldeações e outros asseios, também é deste modo que o destino costuma comportar-se conosco, já está mesmo atrás de nós, já entendeu a mão para torcar-nos o ombro, e nós ainda vamos a murmurar, Acabou-se, não há mais que ver, é tudo igual.”

“Sabê-lo-ei quando lá chegar, Se chegares, Sim, às vezes naufraga-se pelo caminho, mas, se tal me viesse a acontecer, deverias escrever nos anais do porto que o ponto a que cheguei foi esse, Queres dizer que chegar, sempre se chega, não serias quem és se não o soubesses já.”

“E por que não estás tu no palácio do rei a limpar e a abrir portas, Porque as portas que eu realmente queria já foram abertas e porque de hoje em diante só limparei barcos, Então estás decidida a ir comigo procurar a ilha desconhecida, Saí do palácio pela porta das decisões.”

Tu disseste que era teu, Desculpa, foi só porque gostei dele, Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar.

“E não lhes falaste da ilha desconhecida, Como poderia falar-lhes eu duma ilha desconhecida, se não a conheço, Mas tens a certeza de que ela existe.”

Quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és.

“Ela entregou-lhe uma vela, disse, Até amanhã, dorme bem, ele quis dizer o mesmo doutra maneira, Que tenhas sonhos felizes, foi a frase que lhe saiu, daqui a pouco, quando lá estiver em baixo, deitado no seu beliche, vir-lhe-ão à ideia outras frases, mais espirituosas, sobretudo mais insinuantes, como se espera que sejam as de um homem quando está a sós com uma mulher.”

“O sonho é um prestidigitador hábil, muda as proporções das coisas e as suas distâncias, separa as pessoas, e elas estão juntas, reúne-as, e quase não se vêem uma à outra.”

Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma.